VIAGEM A MATO GROSSO
(Marilza de Castro)
PARTE I
Há um antigo ditado que nos diz que “a dúvida é que mata”; deve ser por isso mesmo que buscamos logo resolvê-la e assim fiz com a que me consumia: meu marido ia viajar a Mato Grosso: rever o filho que lá estava, conhecer a nora, visitar outros parentes, resolver problemas de documentação e família... Não me convidara, apenas me participara; repentinamente, começou a insistir para que eu o acompanhasse e... veio-me a tal dúvida: ir ou não ir, eis a questão.
Se ele ia também para resolver problemas de família, não seria a minha presença um tanto afrontosa? Eu, apenas uma companheira para os momentos difíceis da vida dele e há nada mais que um ano em sua companhia?... Sentir-se-iam bem os filhos estando eu presente? Afinal, quem sou eu para eles? Apenas, como o próprio pai afirma, a “encrenca” dele, isto é, alguém fora da família e cuja presença só pode causar problemas...
Por outro lado – matutava eu – ele me havia acompanhado ao Acre, deixando de lado tudo que tinha a resolver aqui, simplesmente para me acompanhar ao Acre; seria justo agora não lhe fazer companhia na viagem a Mato Grosso?
Ainda havia também mais uma preocupação: intuitivamente, eu sabia que algo me aconteceria nessa viagem, talvez mesmo a morte...
Eis a questão: ir ou não ir? Martelava-me a mente a pergunta.
Às vésperas da viagem, o filho caçula dele telefonou e deu todas as coordenadas do vôo em que iriam e meu companheiro mais uma vez veementemente insistiu para que eu marcasse minha passagem no mesmo vôo deles, ida e volta. Num repente, reportei-me à internet e lá estava efetuando a referida compra...
Chegamos a Cuiabá a 12 de março de 2011, um sábado, praticamente na hora do almoço; Alexandre e a esposa foram buscar-nos de carro no aeroporto, situado em Vargem Grande.
Abramos um parêntese para reflexão: até então, em minha narrativa não citara o nome de quem quer que fosse, mas agora, falei ALEXANDRE... Por que será? Talvez porque o meu primeiro filho, que faleceu após três horas o nascimento, também se chamava Alexandre... Ainda revejo-lhe a imagem na minha mente... ainda pranteio sua perda...
Bem, chegando em casa de Alexandre, sua esposa tinha-nos preparado gostoso almoço, após o qual telefonei para a filha no Rio de Janeiro.
Visitamos depois parentes que moravam próximo. À noite, liguei para meu filho.
No domingo fomos conhecer a Chapada dos Guimarães, já tão admirada pela TV.
No caminho para a Chapada, à beira da estrada, pudemos ver formações naturais do terreno de beleza tão instigante quanto misticamente misteriosa. A erosão escavara na montanha formações que lembravam totens antigos, caraças... Do outro lado, fundos precipícios.
Uma vegetação própria do cerrado completa a paisagem e chegamos ao Portão do Inferno... Por que será que tem esse nome?
Segundo Raoni Ricci, da Redação 24HorasNews, em seu texto publicado na internet “Tráfego no trecho do "Portão do Inferno" é convite para a morte”, O local é realmente perigoso e pode ser mortal; vejamos:
“ A rodovia MT-251, que liga Cuiabá a Chapada dos Guimarães, foi construída em 1977, durante o governo de Garcia Neto, e recebeu o nome do ex-deputado federal Emanuel Pinheiro que havia sido assassinado com dois tiros na cidade de Chapada, quando caminhava em direção a um comício do extinto PSD. Ao que parece, toda a carga da morte do então parlamentar foi transferida para a estrada. De lá para cá, inúmeras mortes, principalmente em acidentes de trânsito. Mal sinalizada, a rodovia foi e é palco de muitas tragédias.
Um dos pontos mais perigosos da estrada é o trecho conhecido como “Portão do Inferno”. O nome, convidativo para desastres, caiu como uma luva para o local. Para Wenderson Filsner, 28 anos, que tem um quiosque no “Portão do Inferno” há mais de 20 anos, o trecho é o ponto mais caótico da estrada. “Já presenciei muitos acidentes aqui, grande parte deles com vítimas fatais”, revela.
................................................................................................
Inicialmente planejada como uma estrada turística, hoje a MT-251 é uma das vias mais utilizadas pelos caminhoneiros, pois dá acesso ao município de Campo Verde, e é um desvio da fiscalização na BR-364, por isso, em qualquer época do ano a estrada é sempre muito movimentada, o que causa ainda mais perigo.
O comerciante faz um apelo as autoridades para que olhem com “bons olhos” para a rodovia Emanuel Pinheiro, especialmente no trecho de perigosas curvas do “Portão do Inferno”. “Eu peço pelo amo de Deus, que a Sinfra, a prefeitura de Chapada olhe por esse lugar, pelas pessoas que passam por aqui. Do jeito que está os acidentes são inevitáveis, mais pessoas morrerão por aqui. Precisamos de sinalização, de policiais trabalhando neste local”, desabafa. "
Ao visitar o local, confessamos que não vimos qualquer quiosque em atividade, mas a curva do Portão do Inferno é realmente, muito perigosa. Em alguns pontos, fitas de isolamento estão arrebentadas e caídas ao chão.
A cidadezinha da Chapada dos Guimarães resume-se numa pequena bucólica praça ajardinada e algumas ruas de pousadas e restaurantes principalmente; é o que se vê quando se chega, mas, segundo é sabido, ela conta com uns 8.000 habitantes; cidade setecentista erguida em 1751 pelo Jesuíta Estevão de Castro, com sua esplendorosa Igreja de Sant'Ana do Sacramento de 1779, com imaginária e retábulos com rococós primitivos feitos por índios aprendizes e sua espessa parede de Taipa Pilada, conforme a tradicional arquitetura de época.
Mais acima, chega-se ao Mirante, localizado à 8 km da Chapada dos Guimarães. Com 845m acima do nível do mar, um platô
de 150m de diâmetro, aproximadamente apresenta paisagem fantástica do encontro da Planície Pantaneira com a Chapada. Um alto donde se avista longe o encontro do céu com a terra: baixas nuvens sobre zona de evaporação e a chuva fina forma uma cortina branca: o véu do mistério entre a Terra e o Céu...
Tudo muito amplo e lindo. Num pequeno comércio artesanal - barraca local - compramos algumas lembrancinhas para trazermos para o Rio. Voltamos à praça e almoçamos.
Fomos além, buscamos as águas de um rio, gigante aquático cósmico impetuoso e caudaloso, despencando, durante a trajetória, em inúmeras quedas d’água, mostrando toda sua força e dignidade – o Rio da Casca forma uma seqüência de cinco quedas com o maior volume de água da Chapada - as piscinas naturais garantem o banho; por ter acesso fácil, costuma lotar nos fins de semana. A Cachoeira da Martinha no Rio da Casca - divisa de Chapada dos Guimarães e Campo Verde, onde banhistas se refrescam nas suas águas geladas. Dizem os moradores que, no passado, próxima às margens desta cachoeira, vivia uma linda jovem chamada Martinha. Todos os tropeiros que passavam pelo local davam a desculpa que iriam se banhar na cachoeira - para ver Martinha. Esta cachoeira é a de maior volume em água da Chapada dos Guimarães. Muitas pessoas lá estavam se banhando, mas achei-a um tanto perigosa não só pela força violenta das águas ininterruptas do rio, como pelas suas pedras lisas, escorregadias, que, ao pisá-las,
poderíamos facilmente escorregar, sermos arrastados, batendo de pedra em pedra e caindo no próximo despencar do rio até não se sabe onde... Fôramos preparados para um banho de cachoeira, mas qual de nós – habitantes de grande cidade, inexperientes na “selva” - se atreveria a enfrentar a fera?
Seguimos adiante e pela estrada fomos encontrando placas, até que nos decidimos pelo caminho da Cachoeirinha, na busca de realizarmos o anseio do grupo de um gostoso banho de rio. Deixamos o carro num recuo próximo à estrada e seguimos a pé por dentro da mata, uma picada já preparada, que nos levou a um aprazível local turístico e, através de escadas bem moldadas, chegamos a um restaurante e pequeno bar, tendo ao fundo e mais abaixo, linda, maravilhosa queda d’água, cujas águas de um rio semi-represado formavam um lago tranqüilo para as pessoas se banharem das águas represadas do rio Coxipozinho, que corta o Vale da Benção, com uma belíssima queda de 15m de altura formando uma uma praia de areia branca rodeada por uma floresta; próximo, o restaurante próximo tinha uma arquitetura interessante, feito com a pedra "Canga", típica da Chapada, que tornou muito aconchegante o lugar. Num córrego ao lado existe a "Cachoeira dos Namorados", um aconchegante lugar com uma prainha pedregosa e com um pequena gruta atrás da cachoeira. Vale à pena conferir.
Caímos naquela água bem fresquinha com a sede de quem não tomava um bom banho de cachoeira há uns quinze anos pelo menos. Atendemos ao chamado da cachoeira, fomos dela nos aproximando, enquanto ela avolumava suas ondas para nos dar as boas vindas, arrojando-se contra nós, como a nos massagear o corpo, com afeto, com carinho. Talvez pela velocidade das águas do rio em fase anterior, os peixes não se aventuram a persegui-las, nem grandes, nem pequenos... deixando só para nós o “lago” em que nos banhávamos; dali em diante, as águas, passando por baixo do retentor de águas, seguiram tranquilamente seu caminho abaixo.
Junto à queda d’água, lá em cima, uma formação do terreno deixava-nos entrever uma grande cabeça de índio, como se fosse ele o guardião daquelas águas que abençoavam seus domínios: a mata.
Saídos da Cachoeirinha, comemos algo no barzinho e pegamos de novo a estrada, retornando a Cuiabá; foi quando o Rafael, filho caçula do Lybio, pediu para ver o famoso Véu de Noiva, cachoeira sempre mostrada na TV; retornamos na estrada e estacionamos ao lado da entrada do Parque Nacional, onde adentramos a pé e, por um longo caminho pré-demarcado a visitantes, com proibição escrita de dele nos afastarmos. Foi quando começou-nos o suplício: uma nuvem de mosquitos miúdos, pretinhos, parecidos com pulgas, atacou-nos por todo percurso – enxames e mais enxames... Suas picadas faziam-nos fluir o sangue pelos poros e logo comichava e queimava desesperadamente a nossa pele, enquanto placas vermelhas iam empolando e se alastrando pelo corpo.
Chegamos às muretas donde se poderia ver a cachoeira – retratos daqui e dali, minha situação em consequência das picadas dos mosquitos foi piorando: fui tonteando e, repentinamente, quase não respirava por um choque alérgico; as pernas bambeando, veio-me um desfalecer, impressão de desmaio e morte. Avisei que estava passando mal, pois era alérgica a picada de insetos e que ia cair. A família se assustou, foram buscar correndo o carro, mas mesmo assim precisei caminhar um pouco, amparada pelo Lybio, até mais em cima, onde havia um restaurante, caminho normalmente não liberado a visitantes, onde aguardei a chegada do carro; foi quando a chuva caiu torrencialmente e uma funcionária nos protegeu, até o veículo, colocando-nos sob um tipo de “barraca de praia”.
O caminhar parece ter feito o sangue circular-me melhor e já conseguia respirar mais, embora ainda zonza, entretanto, a erupção cutânea tomara conta de todo o corpo, desde o couro cabeludo à ponta dos pés, sem exceção – era como se tudo em mim pegasse fogo, enquanto comichava; a vontade era arrancar as roupas, numa tentativa vã de melhora. O Rafael dirigia o carro o mais rápido possível, sob a chuva; chegando em Cuiabá, já na drogaria, paramos e compramos um ante-alérgico – ali mesmo fizeram-me ingerir dois comprimidos e fomos para casa, onde um bom banho frio aliviou-me um pouco a queimação do corpo. Uma boa noite de sono ajudou na terapia. Acordei na segunda feira mais bem disposta, embora ainda com os resquícios da alergia, que perpetuaram por um longo tempo. Tomamos o lanche da manhã e nos preparamos para sair. Meu envolvimento com a Cultura assim o exigia.